Frase de Thiago Maciel

Frase adicionada por tamaciel em 05/10/2013

Thiago Maciel
Tinta guache

Hoje, o cheiro da tinta guache ainda o fazia lembrar seus tempos de pré-escola. O cheiro sobreviveu, mesmo após tantos anos, em algum lugar entre seus neurônios, agarrado à sua alma. Sentir aquela essência não era muito comum, e houve um tempo em que ele esqueceu o quanto era bom ter de volta aquelas memórias de sua infância com apenas uma fungada. Era como uma reação em cadeia, que o remetia ao exato local onde ele se encontrava quando tinha apenas seis anos. Fechando os olhos e deixando o ar entrar até o bronquíolo mais distante, conseguia lembrar da cor das paredes, dos cartazes pendurados com desenhos e letras do alfabeto cursivo, das janelas que serviam de suporte para o copinho de feijão plantado no algodão, da mesinha com um papel sujo de tinta, da professora, do bebedouro do corredor, e até do barulho da sirene que anunciava a hora do recreio. Nenhum outro tinha o poder de fazer o que o cheiro da tinta guache fazia. Era sublime. Quase tão bom quanto esse, era o cheiro do jornal gelado. Isso, jornal gelado. Essa combinação tinha o poder de teletransportar, também, ao passado, quando sua mãe trazia picolés do mercado, enrolados em folhas de jornal para que não derretessem no caminho. Ele sentia naquilo um cheiro característico que, agora com alguns anos a mais, o fazia sorrir sozinho, mergulhado naquelas lembranças. Para ele, aquilo era a sua própria máquina do tempo. Tentou, inúmeras vezes, definir qual era o melhor, comparava um com o outro, mas nunca obteve sucesso. Eram tantos cheiros e tantas lembranças. Até aqueles que, para ele, não traziam recordação nenhuma, eram bons e mereciam estar na lista dos melhores. Pensou no cheiro de livro novo, no cheiro de terra molhada, no cheiro de grama cortada, no cheiro de massa de modelar. Lembrou também do cheiro de café recém passado, no cheiro da canela e no cheiro da comida da vó.

Não adiantava. Definitivamente, a tinta guache era incomparável.


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Tinta guache

Hoje, o cheiro da tinta guache ainda o fazia lembrar seus tempos de pré-escola. O cheiro sobreviveu, mesmo após tantos anos, em algum lugar entre seus neurônios, agarrado à sua alma. Sentir aquela essência não era muito comum, e houve um tempo em que ele esqueceu o quanto era bom ter de volta aquelas memórias de sua infância com apenas uma fungada. Era como uma reação em cadeia, que o remetia ao exato local onde ele se encontrava quando tinha apenas seis anos. Fechando os olhos e deixando o ar entrar até o bronquíolo mais distante, conseguia lembrar da cor das paredes, dos cartazes pendurados com desenhos e letras do alfabeto cursivo, das janelas que serviam de suporte para o copinho de feijão plantado no algodão, da mesinha com um papel sujo de tinta, da professora, do bebedouro do corredor, e até do barulho da sirene que anunciava a hora do recreio. Nenhum outro tinha o poder de fazer o que o cheiro da tinta guache fazia. Era sublime. Quase tão bom quanto esse, era o cheiro do jornal gelado. Isso, jornal gelado. Essa combinação tinha o poder de teletransportar, também, ao passado, quando sua mãe trazia picolés do mercado, enrolados em folhas de jornal para que não derretessem no caminho. Ele sentia naquilo um cheiro característico que, agora com alguns anos a mais, o fazia sorrir sozinho, mergulhado naquelas lembranças. Para ele, aquilo era a sua própria máquina do tempo. Tentou, inúmeras vezes, definir qual era o melhor, comparava um com o outro, mas nunca obteve sucesso. Eram tantos cheiros e tantas lembranças. Até aqueles que, para ele, não traziam recordação nenhuma, eram bons e mereciam estar na lista dos melhores. Pensou no cheiro de livro novo, no cheiro de terra molhada, no cheiro de grama cortada, no cheiro de massa de modelar. Lembrou também do cheiro de café recém passado, no cheiro da canela e no cheiro da comida da vó.

Não adiantava. Definitivamente, a tinta guache era incomparável. (Thiago Maciel)
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Thiago Maciel
Pé - d água

Todas as noites, antes de dormir, ele passava horas pensando. Como em um ritual diário, se deitava, se cobria com um lençol consumido pelo tempo, murmurava as mesmas palavras e queixas dos últimos cinquenta anos. Mantinha seus olhos abertos. Eram duas bolitas negras e úmidas, que se misturavam com a escuridão daquele quarto. Se sentia só. Sentia que seus pensamentos e sua imaginação eram a fuga do enlouquecimento que poderia surgir a qualquer momento, ocasionado por aquela angústia constante. A chuva começou a cair.

Estava deitado, escutando o barulho. Pouco a pouco surgiam as lembranças da sua juventude, que já estavam quase cobertas de poeira, e esta noite ele pensou:

Assim como essa chuva chove, já chovi na vida de muitas pessoas. Entrei na vida de muitas como se tivesse caído do céu, assim, de repente, como quando molha imprevisivelmente. De umas, permaneci por várias estações. De outras desapareci, como uma chuva de verão, que se faz evaporar rapidamente. Lembro-me, também, que já tentei chover para algumas que carregavam guarda-chuvas. Haviam os grandes e os pequenos. Os coloridos e os pretos e brancos. Comecei chovendo aos poucos, e acabei chovendo intensamente, sem perder a serenidade. Eu chovia na vertical e na diagonal. Mas nada adiantava, os guarda-chuvas eram eficazes. Também existiram pessoas que choveram na minha vida. Houve as que caíram como uma garoa que quase não molha, que incomoda. Entretanto, houve as que caíram como um temporal, desses que nos deixam ensopados, às vezes submersos nelas mesmas.

Ainda que pudesse cair a mais fina das garoas, não possuo guarda-chuva. Estou seco, e assim esperarei a próxima gota que cairá sobre mim.



E finalmente ele dormiu.